Hoje estava conversando com o meu irmão mais velho, Anderson Costa, sobre o debate que ganhou grande proporção no meio capoeirístico no que tange ao reconhecimento do caráter esportivo da capoeira, por parte do Conselho Nacional do Esporte. E me foi solicitado que escrevesse algo sobre a situação. Afinal tenho a formação na Capoeira e na Educação Física. Não sei se consigo expressar, em poucas linhas, o que me foi solicitado.
Abaixo segue uma tentativa de atender a demanda, escrito de forma simples e trivial para não tomar o tempo de vocês. Não levem em conta os erros, pois escrevi direto e não fiz revisão.
SOBRE O CARÁTER ESPORTIVO DA CAPOEIRA
Muito tempo foi dedicado, em diversas mídias sociais, para se criticar tal reconhecimento. Para muitos capoeiras tudo não passa de um subterfúgio com o fito de “laçar” a Capoeira e os capoeiras. Um retrocesso, uma excrescência (apesar de não ter lido esse termo em nenhum comentário).
Diante de tal quadro, fico pensando por onde anda a construção da práxis capoeirana que deixa de lado o estudo da evolução histórica da capoeira? Será que estamos deixando de perceber a capoeira como uma manifestação da cultura corporal rica e repleta de significados? Será que sabemos o que é esporte e quais as suas dimensões sociais? A capoeira não pode ser esporte?
A postura do CNE agiu, meramente, dentro um reconhecimento formal. Visto que, materialmente, o trato da dimensão esportiva na capoeira se faz presente há muito tempo e vem sendo desenvolvida e estimulada por muitos grupos. Basta buscar nos anais da capoeira e nos registros esportivos sobre o “esporte nacional”, os campeonatos e demais eventos esportivos.
Lembro que nos tempos de UEPA, em 1998, quando cursava o curso de Educação Física, na turma A, que tempos depois virou a turma do Lyoto (Fabyola Vale Machida), pois fomos amigos de turma. As minhas pesquisas sobre a capoeira foram ampliadas. As possibilidades eram muitas. Comecei um grande laboratório sobre a capoeira. E não parei mais o aprendizado. Comecei a associar a minha vivência de capoeira, iniciada em 1993, com a minha formação acadêmica em Educação Física.
No que tange ao aspecto esportivo da capoeira, encontrei alguns trabalhos significativos e relevantes que merecem destaque, vejamos:
1- Annibal Burlamaqui buscava um modelo de ginástica que levasse em consideração os elementos culturais do homem brasileiro e, em contraposição aos modelos que vigoravam no Brasil (modelos: Sueco, Natural-austríaco, Francês, etc.), propôs o modelo de ginástica nacional tendo a capoeira como base. É claro que ginástica não é esporte, mas aqui reside o primeiro passo para uma busca de sistematização da capoeiragem, visto que estávamos no final da década de 1920, um pouco antes do presente que Mestre Bimba deu à humanidade;
2- Depois de toda a construção de mestre Bimba, temos a construção teórica de Inezil Pena Marinho, em 1945, ao lançar o livro “Subsídios para o estudo de metodologia do treinamento da capoeiragem”, aqui já reconhecendo os elementos intrínsecos de modalidades esportivas;
3- Sem esquecer do monstro Lamartine Pereira da Costa que, em 1960, lançou o livro “Capoeiragem: a arte da defesa pessoal brasileira” que para muitos é um clássico sobre o tema;
4- Soma-se aos acima citados, o trabalho de Waldenoir Rego que, em 1968, presenteou o universo da cultural corporal com o livro “Capoeira Angola – ensaio sócio etnográfico.
5- muitos outros momentos são relevantes, mas cito apenas as construções acadêmicas que mostram que já estava presente, na substância de desenvolvimento da capoeira, o caráter esportivo. Vale ressaltar que não citei todos os trabalhos que tive a oportunidade de acessar. Afinal, não tenho a pretensão de esgotar o assunto.
CONCEITO DE ESPORTE
Sobre o esporte temos que ter claro o seu conceito. Digo que, de certa forma, é bastante complicado conceitua-lo. O esporte é um fenômeno mundial. Preliminarmente, podemos considerar o esporte como a manifestação da cultura corporal de movimento humano que se caracteriza pela competição disputada dentro de parâmetros oficiais, que demanda exercício físico e destreza, podendo ser desenvolvida como forma de melhora da saúde. É um conteúdo da educação física escolar à luz da concepção pedagógica critica-superadora dos conteúdos.
O Esporte, segundo Tubino, possui três dimensões sociais: educacional, participação e performance ou rendimento.
O esporte-educacional é desenvolvido como veiculo dinamizador de práticas sócias harmônicas. Onde se busca trabalhar o espirito coletivo, o respeito às regras, o conhecimento sobre as transformações corporais, a melhora da aptidão física, etc. fundamenta-se em princípios educacionais.
O esporte-participação, deriva do esporte-educação, tem como principal meta ser espaço de vivencia coletiva. Sendo desenvolvido, como forma de lazer, recreação. Buscando no lúdico o palco profícuo para a integração social.
O esporte-rendimento é o mais conhecido. Tem a competição como seu fim. A busca pela melhor colocação.
E O CREF?
Sobre a preocupação que reside em relação ao papel do CREF nesse contexto. Entendo que cabe ao conselho fiscalizar sobre os serviços prestados a sociedade com o fito de garantir que a saúde coletiva seja resguardada. Acredito que os que estão ajustados e prestam os serviços de forma adequada não precisam ter medo de nada. Existe ainda o direito adquirido que será levado em consideração, mas isso é conversa na hipótese de determinar quem pode atuar. Acredito que qualquer intervenção nesse sentido será para os que ainda não possuem o direito adquirido. Ou seja, deverão se ajustar às exigências legais.
No âmbito escolar, o espaço dos profissionais da capoeira não será tomado por professores de educação física. Comentários sobre professores de educação física ensinando capoeira nas escolas e tirando o espaço dos mestres foram despejados nas redes sociais sem a devida fundamentação. Atualmente, os professores de educação física que quiserem trabalhar a capoeira como conteúdo escolar, em suas escolas, podem fazer, basta querer. Não se exige do Professional de educação física que seja atleta ou especialista para trabalhar qualquer modalidade no contexto escolar. O mesmo se aplica à capoeira.
As aulas de educação física não configuram espaço de treinamento. Jogo, ginástica, esporte, lutas fazem parte do leque de opções que os professores ofertam aos seus alunos, respeitando as necessidades para proporcionar o desenvolvimento biopsicossocial dos alunos.
Trabalho com os meus alunos e oportunizo vivências esportivas. Assim, ao ampliarmos a cosmovisão dos alunos estaremos trabalhando o protagonismo para que possam escolher a forma que gerenciarão sua saúde. A capoeira se faz presente em minhas atividades docentes.
Temos que ter em mente sobre o que estamos debatendo antes de criticar. Será mesmo que a capoeira não possui caráter esportivo também? O caráter esportivo é realmente nocivo? Basta ler o que foi exposto acima e tirar suas conclusões.
COMO EU VEJO NA CAPOEIRA
Agora, falando um pouco de como é o nosso dia-a-dia na capoeira. Nunca vi em nenhum grupo ou rede social os capoeiras se referindo à capoeira como uma prática distante do caráter esportivo. Perguntas como: “onde vai ser o treino?”, “quem venceu a copa xxxxx?”, “quais o melhores exercícios para o treino?”, entre outras dominam o universo da capoeira. De um modo geral, não vejo ninguém falando em socialização de saberes, ensaio de capoeira, competição amistosa, etc. O dominante é o caráter esportivo.
A preocupação com a forma de conduzir o treino de forma que os alunos tenham a metodologia adequada às necessidades individuais é presente. Por conta de tudo o que foi exposto até aqui, entendo ser pertinente o reconhecimento formal do caráter esportivo da capoeira.
Dicleidson Luiz da Silva Costa.
Contramestre de Capoeira - Associação de Capoeira Arte Negra.
Licenciado em Educação Física (2001) e Física (2009), Bacharel em Direito (2015).
CREF: 000585 G/PA.
Abaixo segue uma tentativa de atender a demanda, escrito de forma simples e trivial para não tomar o tempo de vocês. Não levem em conta os erros, pois escrevi direto e não fiz revisão.
SOBRE O CARÁTER ESPORTIVO DA CAPOEIRA
Muito tempo foi dedicado, em diversas mídias sociais, para se criticar tal reconhecimento. Para muitos capoeiras tudo não passa de um subterfúgio com o fito de “laçar” a Capoeira e os capoeiras. Um retrocesso, uma excrescência (apesar de não ter lido esse termo em nenhum comentário).
Diante de tal quadro, fico pensando por onde anda a construção da práxis capoeirana que deixa de lado o estudo da evolução histórica da capoeira? Será que estamos deixando de perceber a capoeira como uma manifestação da cultura corporal rica e repleta de significados? Será que sabemos o que é esporte e quais as suas dimensões sociais? A capoeira não pode ser esporte?
A postura do CNE agiu, meramente, dentro um reconhecimento formal. Visto que, materialmente, o trato da dimensão esportiva na capoeira se faz presente há muito tempo e vem sendo desenvolvida e estimulada por muitos grupos. Basta buscar nos anais da capoeira e nos registros esportivos sobre o “esporte nacional”, os campeonatos e demais eventos esportivos.
Lembro que nos tempos de UEPA, em 1998, quando cursava o curso de Educação Física, na turma A, que tempos depois virou a turma do Lyoto (Fabyola Vale Machida), pois fomos amigos de turma. As minhas pesquisas sobre a capoeira foram ampliadas. As possibilidades eram muitas. Comecei um grande laboratório sobre a capoeira. E não parei mais o aprendizado. Comecei a associar a minha vivência de capoeira, iniciada em 1993, com a minha formação acadêmica em Educação Física.
No que tange ao aspecto esportivo da capoeira, encontrei alguns trabalhos significativos e relevantes que merecem destaque, vejamos:
1- Annibal Burlamaqui buscava um modelo de ginástica que levasse em consideração os elementos culturais do homem brasileiro e, em contraposição aos modelos que vigoravam no Brasil (modelos: Sueco, Natural-austríaco, Francês, etc.), propôs o modelo de ginástica nacional tendo a capoeira como base. É claro que ginástica não é esporte, mas aqui reside o primeiro passo para uma busca de sistematização da capoeiragem, visto que estávamos no final da década de 1920, um pouco antes do presente que Mestre Bimba deu à humanidade;
2- Depois de toda a construção de mestre Bimba, temos a construção teórica de Inezil Pena Marinho, em 1945, ao lançar o livro “Subsídios para o estudo de metodologia do treinamento da capoeiragem”, aqui já reconhecendo os elementos intrínsecos de modalidades esportivas;
3- Sem esquecer do monstro Lamartine Pereira da Costa que, em 1960, lançou o livro “Capoeiragem: a arte da defesa pessoal brasileira” que para muitos é um clássico sobre o tema;
4- Soma-se aos acima citados, o trabalho de Waldenoir Rego que, em 1968, presenteou o universo da cultural corporal com o livro “Capoeira Angola – ensaio sócio etnográfico.
5- muitos outros momentos são relevantes, mas cito apenas as construções acadêmicas que mostram que já estava presente, na substância de desenvolvimento da capoeira, o caráter esportivo. Vale ressaltar que não citei todos os trabalhos que tive a oportunidade de acessar. Afinal, não tenho a pretensão de esgotar o assunto.
CONCEITO DE ESPORTE
Sobre o esporte temos que ter claro o seu conceito. Digo que, de certa forma, é bastante complicado conceitua-lo. O esporte é um fenômeno mundial. Preliminarmente, podemos considerar o esporte como a manifestação da cultura corporal de movimento humano que se caracteriza pela competição disputada dentro de parâmetros oficiais, que demanda exercício físico e destreza, podendo ser desenvolvida como forma de melhora da saúde. É um conteúdo da educação física escolar à luz da concepção pedagógica critica-superadora dos conteúdos.
O Esporte, segundo Tubino, possui três dimensões sociais: educacional, participação e performance ou rendimento.
O esporte-educacional é desenvolvido como veiculo dinamizador de práticas sócias harmônicas. Onde se busca trabalhar o espirito coletivo, o respeito às regras, o conhecimento sobre as transformações corporais, a melhora da aptidão física, etc. fundamenta-se em princípios educacionais.
O esporte-participação, deriva do esporte-educação, tem como principal meta ser espaço de vivencia coletiva. Sendo desenvolvido, como forma de lazer, recreação. Buscando no lúdico o palco profícuo para a integração social.
O esporte-rendimento é o mais conhecido. Tem a competição como seu fim. A busca pela melhor colocação.
E O CREF?
Sobre a preocupação que reside em relação ao papel do CREF nesse contexto. Entendo que cabe ao conselho fiscalizar sobre os serviços prestados a sociedade com o fito de garantir que a saúde coletiva seja resguardada. Acredito que os que estão ajustados e prestam os serviços de forma adequada não precisam ter medo de nada. Existe ainda o direito adquirido que será levado em consideração, mas isso é conversa na hipótese de determinar quem pode atuar. Acredito que qualquer intervenção nesse sentido será para os que ainda não possuem o direito adquirido. Ou seja, deverão se ajustar às exigências legais.
No âmbito escolar, o espaço dos profissionais da capoeira não será tomado por professores de educação física. Comentários sobre professores de educação física ensinando capoeira nas escolas e tirando o espaço dos mestres foram despejados nas redes sociais sem a devida fundamentação. Atualmente, os professores de educação física que quiserem trabalhar a capoeira como conteúdo escolar, em suas escolas, podem fazer, basta querer. Não se exige do Professional de educação física que seja atleta ou especialista para trabalhar qualquer modalidade no contexto escolar. O mesmo se aplica à capoeira.
As aulas de educação física não configuram espaço de treinamento. Jogo, ginástica, esporte, lutas fazem parte do leque de opções que os professores ofertam aos seus alunos, respeitando as necessidades para proporcionar o desenvolvimento biopsicossocial dos alunos.
Trabalho com os meus alunos e oportunizo vivências esportivas. Assim, ao ampliarmos a cosmovisão dos alunos estaremos trabalhando o protagonismo para que possam escolher a forma que gerenciarão sua saúde. A capoeira se faz presente em minhas atividades docentes.
Temos que ter em mente sobre o que estamos debatendo antes de criticar. Será mesmo que a capoeira não possui caráter esportivo também? O caráter esportivo é realmente nocivo? Basta ler o que foi exposto acima e tirar suas conclusões.
COMO EU VEJO NA CAPOEIRA
Agora, falando um pouco de como é o nosso dia-a-dia na capoeira. Nunca vi em nenhum grupo ou rede social os capoeiras se referindo à capoeira como uma prática distante do caráter esportivo. Perguntas como: “onde vai ser o treino?”, “quem venceu a copa xxxxx?”, “quais o melhores exercícios para o treino?”, entre outras dominam o universo da capoeira. De um modo geral, não vejo ninguém falando em socialização de saberes, ensaio de capoeira, competição amistosa, etc. O dominante é o caráter esportivo.
A preocupação com a forma de conduzir o treino de forma que os alunos tenham a metodologia adequada às necessidades individuais é presente. Por conta de tudo o que foi exposto até aqui, entendo ser pertinente o reconhecimento formal do caráter esportivo da capoeira.
Dicleidson Luiz da Silva Costa.
Contramestre de Capoeira - Associação de Capoeira Arte Negra.
Licenciado em Educação Física (2001) e Física (2009), Bacharel em Direito (2015).
CREF: 000585 G/PA.
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