Um capoeirista está chorando. É Caiçara.

Caiçara chegou chorando. Ainda não um choro convulsivo, como só iria ocorrer mais tarde, depois de olhar nos olhos do primeiro mestre de capoeira da Bahia, do mundo, e sentir toda uma vida sendo retirada quase à força, para  que outra pudesse surgir das suas cinzas, bem mais tranquila, como um prêmio inesperado.
A camisa listrada sobre o ventre um pouco alto, a calça de cores sóbrias, o bigode imenso que subia e descia a cada tentativa de dizer alguma coisa. Caiçara era figura de um garoto arrependido diante do confessionário, diante do padre que impõe respeito à sua simples presença. Respirava forte, embaraçava as frases, dizia coisas desconexas. Acabou encostando numa janela, olhando as prostitutas lá em baixo, as lágrimas saltando e salpicando, o parapeito, nas pedras cabeça-de-nego da rua.
Bimba não sorriu uma só vez. Entendeu a gravidade da situação e perdoou. Porque um desafio à sua condição de mestre incontestável é algo que não se esquece. Diante do reconhecimento, das lágrimas de um homem valente, o perdão foi dado. E uma história lembrada.
"Foi em 1900 e antigamente", diz "vermelho", um dos alunos mais assíduos da academia de Bimba. Era a formatura de mais uma turma no centro do Nordeste de Amaralina.  Caiçara estava presente, alguns turistas quiseram conhecer o Mestre, Caiçara gritou: "o mestre sou eu". A confusão, os discípulos de Bimba querendo "pegar" o autor da heresia, a voz de comando: "Vamos fazer a exibição, depois a gente acerta tudo".
E acertaram. o que primeiro falara pulou de banda. O imenso pé de Bimba atingiu a sua boca, em cheio: "O que é isso mestre? - É pé". Depois, o rei do terreiro dá sua ordem: "Arranjem um pano. A boca dele está suja de sangue".
Agora, Caiçara diz: "Sou o terceiro mestre da Bahia, depois do senhor e do Mestre Pastinha, desculpe a minha ousadia". Novamente o cenário são alguns bancos, um tablado liso, o berimbau encostado num canto, o grupo de alunos desconfiados da presença velha conhecida. As palavras são outras: "Mestre, vim aqui completamente emocionado, sabendo que o senhor vai nos deixar. Em todo lugar que chego, eu levo o nome do senhor, Mestre Bimba. Desculpe minha ousadia, mas esse afastamento do senhor da Bahia... O Senhor deveria pensar mais um pouco. A Bahia é berço, a raiz de tudo, o que o senhor é importante aqui. Saindo é uma perda irreparável.

Imagem retirada da internet e enviado por
Rafael Cego - Palmas - Tocantins.

Digitação: Tucumã Brasil

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